UNIÃO EUROPEIA

Portugal

DIREITO DO CONSUMO, DIREITO FLUTUANTE ALTERAÇÕES AO REGIME DOS CONTRATOS

 

Mário Frota

Fundador e primeiro presidente da AIDC – Associação Internacional de Direito do Consumo

Fundador e presidente emérito da apDC – associação portuguesa de Direito do Consumo

Antigo professor da Faculté de Droit à l’ Université de Paris-Est (Paris XII)

 

Alterações constantes de normativo que a lume veio a 10 de Dezembro do ano pretérito entraram em vigor, na ordem jurídica interna, sábado último, 28 de Maio em curso.

Em razão da transposição parcial da denominada Directiva “OMNIBUS”, do Parlamento Europeu e do Conselho (Directiva n.º 2019/2161, de 27 de Novembro), houve um sem-número de dispositivos objecto de reajustamentos  de conteúdo e de inovações face à Sociedade Digital que nos submerge.

Eis os domínios atingidos:

I

LEI-QUADRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

(Lei n.º 24/96,de 31 de Julho)

No que tange em particular à Lei-Quadro em epígrafe, relevantes alterações se plasmaram em dois domínios essenciais, a saber, o da informação constante dos contratos (art.º 8.º) e o da protecção dos interesses económicos do consumidor (art.º 9.º).

 

 

DA PRINCIPAL OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO

No plano da informação que em particular mister será enforme os contratos, realce para três aspectos essenciais, que deles terão imperativamente de constar:

§  A existência de garantia de conformidade dos bens, dos conteúdos e serviços digitais, com a indicação do respectivo prazo, e, quando for o caso, a existência de serviços pós-venda e de garantias comerciais, com descrição das suas condições;

 

§  A funcionalidade dos bens com elementos digitais, conteúdos e serviços digitais, nomeadamente o seu modo de utilização e a existência ou inexistência de restrições técnicas, incluindo as medidas de protecção técnica, quando for o caso;

 

§  Qualquer compatibilidade e interoperabilidade relevante dos bens com elementos digitais, conteúdos e serviços digitais, quando for o caso, com equipamentos e programas informáticos de que o fornecedor ou prestador tenha ou possa razoavelmente ter conhecimento, nomeadamente quanto ao sistema operativo, a versão necessária e as características do equipamento.

 

DA PROTECÇÃO DOS INTERESSES ECONÓMICOS DOS CONSUMIDORES

DA PROIBIÇÃO DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

Aditou o legislador um n.º 7 ao artigo 9.º da Lei-Quadro, de molde a consagrar, pela vez primeira, a proibição da denominada obsolescência programada, a saber:

“É vedado ao profissional a adopção de quaisquer técnicas através das quais o mesmo visa reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens.”

 

II

INDICAÇÃO DOS PREÇOS DE VENDA A RETALHO DE GÉNEROS ALIMENTARES E NÃO ALIMENTARES E DE SERVIÇOS

[Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril]

O regime de preços, por mor das modificações operadas nas operações mercantis  com redução de preços, sofreu do mesmo passo alterações de tomo, a saber:

INDICAÇÃO DE PREÇOS

“Qualquer informação relativa a uma prática comercial com redução de preço, independentemente do meio de comunicação, deve indicar o preço mais baixo anteriormente praticado, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de Março, na sua redacção actual.”

DEFINIÇÕES

«Preço mais baixo anteriormente praticado», o preço mais baixo a que o produto foi vendido nos últimos 30 dias consecutivos anteriores à aplicação da redução do preço.

EXCLUSÃO DO ÂMBITO DE APLICAÇÃO

E o n.º 2 do artigo 4.º, no seu proémio, passou a estar redigido como segue:

2 - A indicação do preço por unidade de medida a que se refere o n.º 3 do artigo 1.º não é aplicável:

[a) Aos géneros alimentícios e produtos não alimentares comercializados através de distribuidor automático;

b) Aos géneros alimentícios e produtos não alimentares comercializados à peça;

c) Aos pratos confeccionados ou pratos a confeccionar que se encontrem numa mesma embalagem;

d) Aos géneros alimentícios de fantasia;

e) Aos géneros alimentícios ou produtos não alimentares diferentes comercializados numa mesma embalagem;

f) Aos produtos não alimentares destinados a serem misturados para obter um preparado e colocados numa mesma embalagem;

g) Aos géneros alimentícios comercializados em embalagens até 50 g ou 50 ml ou com mais de 10 kg ou 10 l;

h) Aos géneros alimentícios ou produtos não alimentares dispensados da indicação de peso ou volume, nos termos da legislação em vigor;

i) Ao novo preço da unidade de medida dos géneros alimentícios facilmente perecíveis em caso de venda com desconto justificada pelo risco de alteração;

j) Aos géneros alimentícios e produtos não alimentares quando o seu preço for idêntico ao preço de venda.]

 

INDICAÇÃO DOS PREÇOS E SERVIÇOS

O n.º 1 do artigo 10.º do diploma em epígrafe apresenta uma nova redacção:

“1 - Os preços de toda a prestação de serviços, seja qual for a sua natureza, devem constar de listas ou cartazes afixados, de forma visível, no lugar onde os serviços são propostos ou prestados ao consumidor, sendo aplicável o n.º 6 do artigo 1.º” [a saber,  “os géneros alimentícios comercializados nos hotéis, estabelecimentos similares e cantinas, desde que sejam consumidos no local da venda, são objecto de disposições especiais.”]

 

III

PRÁTICAS COMERCIAIS COM REDUÇÃO DE PREÇO EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DE RETALHO [VAREJO]

[Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de Março]

O diploma legal que disciplina os contratos de compra e venda com redução de preços em vista do escoamento de mercadorias de estações anteriores e da renovação dos seus artigos e em ordem à promoção de produtos lançados no mercado padeceu também de alterações em homenagem à transparência e à protecção dos interesses económicos dos consumidores.

E introduziu inovações nas “definições”, na “informação em vista de uma sã e leal concorrência” e, ainda, no que tange ao “preço de referência”, à “afixação de preços em estabelecimentos comerciais” e à “substituição do produto”.

Eis como se ordenaram as inovações:

DEFINIÇÕES

a)     «Preço mais baixo anteriormente praticado», o preço mais baixo a que o produto foi vendido nos últimos 30 dias consecutivos anteriores à aplicação da redução do preço”

c)      «Produtos agrícolas e alimentares perecíveis», os produtos agrícolas e alimentares que, pela sua natureza ou devido à sua fase de transformação, sejam susceptíveis de se tornarem impróprios para venda no prazo de 30 dias após a data de colheita, produção ou transformação”

 

INFORMAÇÃO PARA A CONCORRÊNCIA LEAL

No dispositivo acerca do que em epígrafe se grafa, novos comandos aos fornecedores se dirigem:

Art.º 4.º

[…]

1. Na venda com redução de preço deve ser indicada de modo inequívoco, a modalidade de venda, o tipo de produtos, o preço mais baixo anteriormente praticado, bem como a data de início e o período de duração.

5 - Para efeitos do disposto no n.º 1, no caso de aumento gradual e ininterrupto da redução de preço, considera-se que o preço mais baixo anteriormente praticado é o preço antes da aplicação da primeira redução do preço.

6 - O disposto no n.º 1 não obsta a que o operador económico possa efectuar anúncios ou declarações gerais de reduções de preços em comunicações publicitárias.”

PREÇO DE REFERÊNCIA

No artigo infra estabelece-se a regra pertinente ao ónus da prova do “preço mais baixo” nas operações com reduções de preços no retalho [varejo], em dois números que se lhe acrescentaram.

Artigo 5.º

“5 - Incumbe ao operador económico a prova documental do preço mais baixo anteriormente praticado e, no caso de serem utilizadas condições mais vantajosas do que as utilizadas nos períodos de vendas sem redução de preço, a prova de que a vantagem é real e concretizável.

6 - No caso de produtos agrícolas e alimentares perecíveis ou de produtos que se encontrem a quatro semanas da expiração da sua data de validade, a redução de preço anunciada deve ser real por referência ao preço mais baixo anteriormente praticado durante os últimos 15 dias consecutivos em que o produto esteve à venda ou durante o período total de disponibilização do produto ao público, caso este seja inferior.”

 

COMPARAÇÃO REAL

À versão actual do  Decreto-Lei de que se trata – o n.º 70/2007, de 26 de Março -, aditou o legislador o artigo 5.º-A, sob a epígrafe e com o quadro lexicológico que segue:

“1 - A comparação ao preço de referência tem de ser clara e deve observar o seguinte:

a)     Utilização da mesma unidade de medida, não sendo admitido que o preço a praticar na venda com redução de preço seja expresso numa unidade de medida menor do que a unidade com a qual é comparada;

 

b)     Comparação de produtos na mesma condição, sendo proibida, designadamente, a comparação de bens vendidos em embalagem com o valor unitário de cada produto que as integra.

 

 2 - No caso de produtos introduzidos pela primeira vez no mercado, sempre que seja anunciado o preço a praticar após o fim do período de venda com redução de preço, o operador económico deve demonstrar que esse preço é efectivamente praticado por um período razoável nos três meses seguidos à promoção.”

 

AFIXAÇÃO DE PREÇOS EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS

Artigo 6.º

[…]

“Na realização de práticas comerciais abrangidas pelo presente decreto-lei em estabelecimentos comerciais, a afixação de preços obedece, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, na sua redacção actual, aos seguintes requisitos:

a) Os letreiros, etiquetas ou listas devem exibir, de forma bem visível, o novo preço e o preço mais baixo anteriormente praticado, sem prejuízo da indicação adicional e facultativa da percentagem de redução;

d) No caso de venda de produtos com condições promocionais deve constar especificamente o preço mais baixo anteriormente praticado e o preço promocional, o respectivo período de duração e, caso existam, os encargos inerentes às mesmas, à luz do disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, na sua redacção actual [que provê ao regime jurídico dos contratos de crédito ao consumidor].

 

SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO

Artigo 8.º

[…]

[O comerciante pode, mediante acordo com o consumidor, proceder à substituição do produto adquirido, independentemente do motivo, desde que:]:

c) Seja efectuada, pelo menos, nos primeiros cinco dias úteis a contar da data da sua aquisição e sem prejuízo da aplicação do regime jurídico das garantias dos bens de consumo a que se refere o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro.»

 

IV

REGIME JURÍDICO DAS  PRÁTICAS COMERCIAIS DESLEAIS DAS EMPRESAS NAS RELAÇÕES COM OS CONSUMIDORES, OCORRIDAS ANTES, DURANTE OU APÓS UMA TRANSACÇÃO COMERCIAL RELATIVA A UM BEM OU SERVIÇO

[DL 57/2008, de 26 de Março]

São extensas as alterações  ao regime jurídico em epígrafe protagonizadas pela Directiva “Omnibus”.

DEFINIÇÕES

No que tange às definições, o diploma ora versado aditou uma outra, no glossário que de há tempos a esta parte precede o articulado dos diplomas legais, em particular os emanados das instâncias legiferantes da União Europeia, de molde a poder captar-se congruente e convenientemente os conceitos cuja disciplina se traça:

Na alínea c) do artigo 3.º postou-se:

“«Produto» qualquer bem ou serviço, incluindo bens imóveis, conteúdos e serviços digitais, bem como direitos e obrigações” por forma a coadunar-se uma tal disciplina com a  que emerge do DL 84/2021, de 18 de Outubro, que rege no domínio da compra e venda de bens de consumo e de conteúdos e serviços digitais (no que por último se considera, em decorrência da Directiva (EU) n.º 770/2019, de 20 de Maio, do Parlamento e do Conselho).

E ainda, duas noções mais, em consonância com os Serviços Digitais que ora dominam os mercados, em aceleração propiciada pela pandemia que de todo ainda se não despediu do globo nem das suas gentes:

“«Classificação» a importância relativa atribuída aos produtos, tal como apresentados, organizados ou comunicados pelo profissional, independentemente dos meios tecnológicos utilizados para essa apresentação, organização ou comunicação [alínea m) que ao artigo 3.º se adita]; e

“«Mercado em linha» um serviço com recurso a software, nomeadamente um sítio electrónico, parte de um sítio electrónico ou uma aplicação, explorado pelo profissional ou em seu nome, que permita aos consumidores celebrar contratos à distância com outros profissionais ou consumidores.”

 

ACÇÕES ENGANOSAS

Dentre as hipóteses em que as práticas, por acção, se hajam de considerar enganosas, inclui-se uma mais, subsumível ao que segue:

“Qualquer actividade de promoção comercial de um bem como sendo idêntico a um bem comercializado noutros Estados-membros, quando esse bem seja significativamente diferente quanto à sua composição ou características, excepto quando justificado por factores legítimos e objectivos”, de molde a combater a discriminação pela qualidade. [alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º].

 

ACÇÕES CONSIDERADAS ENGANOSAS

EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA

Como alterações ainda ao regime das práticas comerciais desleais, registo para o que segue (inovação, aliás, de saudar)

“São consideradas enganosas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:

n) Fornecer resultados de pesquisa em resposta a uma consulta em linha do consumidor sem revelar claramente o pagamento de publicidade ou outro pagamento efectuado especificamente para obter uma classificação superior dos produtos nos resultados da pesquisa”

z) Alegar falsamente ou dar a impressão de que o profissional não está a agir para fins relacionados com a sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional ou apresentar-se falsamente como consumidor:

[aa) Dar a impressão falsa de que o serviço pós-venda relativo ao bem ou serviço está disponível em Estado membro distinto daquele em que o bem ou serviço é vendido].

bb) Revender bilhetes para eventos aos consumidores se o profissional os tiver adquirido através de meios automatizados para contornar os limites impostos ao número de bilhetes que uma pessoa pode adquirir ou outras regras aplicáveis à sua aquisição;

cc) Declarar que as avaliações de um produto são apresentadas por consumidores que o utilizaram ou adquiriram efectivamente, sem adoptar medidas razoáveis e proporcionadas para verificar que essas avaliações são publicadas por esses consumidores;

dd) Apresentar avaliações ou recomendações falsas de consumidores ou instruir uma terceira pessoa singular ou colectiva para apresentar avaliações ou recomendações falsas de consumidores, ou apresentar avaliações do consumidor ou recomendações nas redes sociais distorcidas, a fim de promover os produtos” [artigo 8.º].

 

OMISSÕES ENGANOSAS

O n.º 4 do seu artigo 9.º, sob a epígrafe, fez acrescer  os diplomas legais que se enumeram nas alíneas de p) a u):

4 - Para efeitos do número anterior [são considerados substanciais os requisitos de informação exigidos para as comunicações comerciais na legislação nacional decorrentes de regras comunitárias], consideram-se, nomeadamente, os seguintes actos legislativos, na sua redacção actual:

p) Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, que estabelece o regime jurídico dos contratos de crédito aos consumidores;

q) Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, que estabelece o regime jurídico relativo aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial;

r) Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que estabelece o regime jurídico dos organismos de investimento colectivo

s) Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro, que aprova o regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora e resseguradora;

t) Decreto-Lei n.º 17/2018, de 8 de Março, que estabelece o regime jurídico de acesso e de exercício da actividade das agências de viagens e turismo;

u) Lei n.º 7/2019, de 16 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico da distribuição de seguros e resseguros.

 

PROPOSTA CONTRATUAL OU CONVITE A CONTRATAR

No artigo 10.º, sob a epígrafe,  duas novas alíneas se postaram:

 [No caso de proposta contratual ou de convite a contratar, são consideradas substanciais para efeitos do artigo anterior, se não se puderem depreender do contexto, as informações seguintes:]

d) As modalidades de pagamento, expedição ou execução, caso se afastem das obrigações de diligência profissional;

f) Para os produtos oferecidos nos mercados em linha, se o terceiro que os oferece é ou não um profissional, com base nas declarações prestadas por esse terceiro ao prestador do mercado em linha.

 

PESQUISAS E AVALIAÇÕES

Foi aditado um artigo - o 10.º-A -, sob a epígrafe, nestes termos redigido:

“1 - Nos casos em que seja possível aos consumidores procurar produtos oferecidos por diferentes profissionais ou por consumidores com base em pesquisas sob a forma de palavra-chave, frase ou outros dados, são consideradas substanciais as informações gerais sobre os principais parâmetros que determinam a classificação dos produtos apresentados ao consumidor em resultado da pesquisa e a importância relativa desses parâmetros em comparação com outros parâmetros.

2 - As informações mencionadas no número anterior devem ser disponibilizadas numa secção específica da interface em linha que seja direta e facilmente acessível a partir da página onde os resultados da pesquisa são apresentados.

3 - O disposto nos números anteriores não se aplica a fornecedores de motores de pesquisa em linha, na acepção do n.º 6 do artigo 2.º do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019.

4 - Caso um profissional disponibilize o acesso a avaliações efectuadas por consumidores, são consideradas substanciais as informações sobre se o profissional garante que as avaliações publicadas são efectuadas por consumidores que efectivamente utilizaram ou adquiriram os produtos e sobre os mecanismos ou ferramentas utilizadas para o efeito.»

 

DIREITOS DO CONSUMIDOR

O artigo 14, reconfigurado pelo diploma de que se trata, passa a ter a seguinte redacção:

“1 - O consumidor tem direito à redução adequada do preço ou à resolução do contrato relativamente aos produtos adquiridos por efeito de uma prática comercial desleal.

2 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no número anterior, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.

3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal, nos termos do presente decreto-lei, é ressarcido nos termos gerais.”

 

REGIME SANCIONATÓRIO:

AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS COMPETENTES

O artigo 19, em sede de autoridades a que incumbe o poder sancionatório,  passou a disciplinar a matéria nos termos que seguem:

“1 - A autoridade administrativa competente para ordenar as medidas previstas no artigo seguinte é a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a entidade reguladora do sector no qual ocorra a prática comercial desleal ou a entidade fiscalizadora de mercado sectorialmente competente.

2 - O Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões são considerados autoridades administrativas competentes para a aplicação do disposto neste artigo às práticas comerciais desleais que ocorram no âmbito dos respectivos sectores financeiros.

3 - Tratando-se de uma prática comercial desleal em matéria de publicidade, a autoridade administrativa competente para aplicar as medidas previstas no artigo seguinte é a Direcção-Geral do Consumidor (DGC), que pode solicitar a intervenção da ASAE para a efectiva execução da sua acção, sem prejuízo das competências especificas atribuídas a outras entidades.

… »

REVOGAÇÕES

São revogados as alíneas b), d), e), g), h) e m) do n.º 4 do artigo 9.º [a saber, a enumeração não exaustiva dos diplomas legais  para efeitos de … aferição como  substanciais dos requisitos de informação exigidos para as comunicações comerciais na legislação nacional decorrentes de regras comunitárias] e o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, ora em apreciação [“O consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal proibida nos termos do presente decreto-lei é ressarcido nos termos gerais.”].

O que parece indiciar que ao consumidor seja vedado o ressarcimento em consequência dos prejuízos causados por tais práticas, o que não é, não pode ser patentemente o caso.

 

REPARAÇÃO DOS DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS CAUSADOS POR PRÁTICAS COMERCIAIS DESLEAIS PERPETRADAS PELOS FORNECEDORES

E, com efeito, não é: como se pode concluir da redacção do artigo 14 do diploma em discussão, o seu n.º 3 absorve o comando do artigo 15, revogado por redundante, desnecessário:

“3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal, nos termos do presente decreto-lei, é ressarcido nos termos gerais.

E, assim, se harmoniza a disciplina das práticas comerciais desleais, na dúplice vertente por que se desdobra, com o direito à reparação dos danos causados na esfera da contraparte, em consonância com o que se define na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor: artigo 12.º

Aliás, a Directiva de onde promanam as modificações sob análise é bem mais impressiva no que tange à reparação dos prejuízos causados do que a mui sintética norma do direito pátrio:

No seu artigo 11.º-A plasma os incisos seguintes, sob a epígrafe “menos ortodoxa de “vias de recurso”:

“1.   Os consumidores lesados por práticas comerciais desleais têm acesso a meios de ressarcimento proporcionados e eficazes, incluindo a uma indemnização por danos sofridos e, se for caso disso, à redução do preço ou à [resolução] do contrato. Os Estados-membros podem estabelecer as condições para a aplicação e os efeitos desses meios de ressarcimento. Os Estados-Membros podem ter em conta, se for caso disso, a gravidade e a natureza da prática comercial desleal, os danos sofridos pelo consumidor e demais circunstâncias pertinentes.

2.   Esses meios de ressarcimento aplicam-se sem prejuízo de outros meios de ressarcimento, aos quais os consumidores possam recorrer ao abrigo do direito da União ou do direito nacional.»

Por conseguinte, não subsistem dúvidas a tal respeito: não se vislumbra uma qualquer restrição à responsabilidade emergente de tais práticas, antes se acentua a necessidade de ressarcir os consumidores vítimas de práticas ignóbeis e inadmissíveis que põem em causa a sua própria  dignidade. E que, como tal, a lei pune expressa e vigorosamente.

Aliás, a reparação dos prejuízos no quadro das relações jurídicas de consumo, quer a título singular, como colectivo, constitui como que algo de recorrente.

E nem sempre a dimensão colectiva das lesões é assumida, entre nós, como algo de prevalente, na atomização dos casos por que se estendem as lesões.

Aprecie-se o que ocorreu recentemente, entre nós, com o denominado acórdão Vodafone de 02 de Fevereiro de 2022 (do Supremo Tribunal de Justiça. Conselheira Clara Sotto Mayor), cujo cômputo se estima, só nos últimos quatro anos, em quatro mil milhões de euros… de valores cobrados indevidamente a uma mole imensa de consumidores por comunicações electrónicas não solicitadas, accionadas deliberadamente pela empresa, à revelia dos interessados,  sem se considerar as eventuais compensações naturalmente  daí emergentes.

 

V

REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS À DISTÂNCIA

E FORA DE ESTABELECIMENTO

O regime jurídico de que se cura – DL 24/2014, de 14 de Fevereiro -  também foi fortemente atingido pelas modificações operadas pela denominada Directiva “Omnibus” (2019/2161, de 27 de Novembro) do Parlamento Europeu e do Conselho.

Os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 10.º, 13, 15, 17 e 31 do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro (na versão actual) foram objecto de pontuais alterações, a saber:

ÂMBITO

[art.º 2.º]

2 - O presente decreto-lei também se aplica aos contratos em que o fornecedor de bens ou prestador de serviços fornece ou se compromete a fornecer conteúdos digitais, quando não sejam entregues em suporte material, ou em que fornece ou se compromete a fornecer um serviço digital e o consumidor faculte ou se comprometa a facultar dados pessoais, nos termos do Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados, exceptuando-se os seguintes casos:

a) Quando os dados pessoais facultados pelo consumidor forem exclusivamente tratados para o fornecimento de conteúdos digitais que não sejam entregues em suporte material ou através de serviço digital; ou

b) Quando sejam necessários para que o fornecedor cumpra os requisitos legais a que se encontra sujeito e não proceda ao tratamento desses dados para quaisquer outros fins;

3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores , os artigos 4.º a 21 não se aplicam a::

l) Contratos de serviços de transporte de passageiros, com excepção do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 5.º;

m) …

n) Contratos relativos a bens vendidos por via de penhora, ou de qualquer outra forma de execução judicial.

4 - Sem prejuízo do disposto na alínea h) do número anterior, os n.ºs 2, 3, 4, 8 e 9 do artigo 5.º do presente decreto-lei, o n.º 3 do artigo 7.º e os artigos 9.º-A e 9.º-D da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, na sua redacção actual, sã aplicáveis, com as devidas adaptações às viagens organizadas, no que respeita aos viajantes, tal como definidos nas alíneas p) e q) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 17/2018, de 8 de Março, sem prejuízo do n.º 3 do mesmo artigo.

 

DEFINIÇÕES

[art.º 3.º]

a) «Bem»:

i) Qualquer bem móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão e a água, o gás e a electricidade quando colocados em venda num volume limitado ou em quantidade determinada;

ii) Qualquer bem móvel corpóreo que incorpore ou esteja interligado com um conteúdo ou serviço digital, de tal modo que a falta destes impeça os bens de desempenharem as suas funções («bens com elementos digitais»);

c) «Classificação», a importância relativa atribuída aos produtos, tal como apresentados, organizados ou comunicados pelo profissional, independentemente dos meios tecnológicos utilizados para essa apresentação, organização ou comunicação;

d) «Compatibilidade», a capacidade de os bens, conteúdos ou serviços digitais funcionarem com o hardware ou o software com que os bens, conteúdos ou serviços digitais do mesmo tipo são normalmente usados, sem necessidade de conversão;

f) «Conteúdo digital», os dados produzidos e fornecidos em formato digital;

j) «Contrato de compra e venda», qualquer contrato ao abrigo do qual o fornecedor de bens e prestador de serviços transfere a propriedade dos bens para o consumidor, incluindo qualquer contrato que tenha simultaneamente por objecto bens e serviços;

k) «Contrato de prestação de serviços», qualquer contrato, com excepção do contrato de compra e venda, ao abrigo do qual o fornecedor de bens ou prestador de serviços presta ou se compromete a prestar um serviço, incluindo um serviço digital, ao consumidor;

l) «Dados pessoais», a informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»), sendo considerada como tal uma pessoa singular que possa ser identificada, directa ou indirectamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via electrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;

o) «Funcionalidade», a capacidade de os bens, conteúdos ou serviços digitais desempenharem as suas funções tendo em conta a sua finalidade;

q) «Interoperabilidade», a capacidade de os bens, conteúdos ou serviços digitais funcionarem com hardware ou software diferente dos normalmente usados com bens, conteúdos ou serviços digitais do mesmo tipo;

r) «Mercado em linha», um serviço com recurso a software, nomeadamente um sítio electrónico, parte de um sítio electrónico ou uma aplicação, explorado pelo profissional ou em seu nome, que permita aos consumidores celebrar contratos à distância;

t) «Prestador de um mercado em linha», qualquer profissional que forneça um mercado em linha aos consumidores;

u) «Serviço digital»:

i) Um serviço que permite ao consumidor criar, tratar, armazenar ou aceder a dados em formato digital; ou

ii) Um serviço que permite a partilha ou qualquer outra interacção com os dados em formato digital carregados ou criados pelo consumidor ou por outros utilizadores desse serviço;

INFORMAÇÃO PRÉ-CONTRATUAL NOS CONTRATOS CELEBRADOS À DISTÂNCIA E FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL

[art.º 4.º]

“Antes de o consumidor ficar vinculado a um contrato celebrado à distância ou a qualquer proposta correspondente, num mercado em linha, o prestador do mercado em linha deve facultar ao consumidor as seguintes informações adicionais de uma forma clara, compreensível e adequada ao meio de comunicação à distância”:

a) Identidade do fornecedor de bens ou do prestador de serviços, incluindo o nome, a firma ou denominação social, o endereço físico onde se encontra estabelecido, o número de telefone e o endereço electrónico, caso existam, de modo a permitir ao consumidor contactá-lo e comunicar de forma rápida e eficaz;

l) A informação de que o preço foi personalizado com base numa decisão automatizada, quando aplicável;

s) A existência e o prazo da garantia de conformidade dos bens, dos conteúdos ou serviços digitais, quando seja aplicável o regime jurídico da venda de bens de consumo constante do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro;

z) Funcionalidade dos bens com elementos digitais, conteúdos ou serviços digitais, incluindo medidas de protecção técnica, quando aplicável;

aa) Qualquer compatibilidade e interoperabilidade relevante dos bens com elementos digitais, conteúdos ou serviços digitais de que o profissional tenha ou possa razoavelmente ter conhecimento, se for caso disso;

2 - Sem prejuízo do disposto na alínea a) do número anterior, no caso de o fornecedor de bens ou prestador de serviços fornecer outro meio de comunicação em linha que permita ao consumidor conservar toda a correspondência escrita mantida, inclusive a data e a hora da correspondência, num suporte duradouro, a informação deve incluir dados pormenorizados sobre esse outro meio que deve permitir o contacto rápido e eficaz com o profissional.

REQUISITOS ADICIONAIS ESPECÍFICOS DE INFORMAÇÃO DOS CONTRATOS CELEBRADOS EM MERCADOS EM LINHA

O diploma em destaque – na sequência da Directiva “Omnibus”, a que inicialmente se aludiu, aditou à Lei dos Contratos à Distância e Fora de Estabelecimento dois artigos – o 4.º - A e o 4.º - B –, com particular incidência sobre os Mercados em Linha,  como segue:

«Artigo 4.º-A

Antes de o consumidor ficar vinculado a um contrato celebrado à distância ou a qualquer proposta correspondente, num mercado em linha, o prestador do mercado em linha deve, facultar ao consumidor as seguintes informações adicionais, de uma forma clara, compreensível e adequada ao meio de comunicação à distância:

a) Informações gerais, disponibilizadas numa secção específica da interface em linha que seja directa e facilmente acessível a partir da página onde são apresentadas as propostas, sobre os principais parâmetros que determinam a classificação, na acepção da alínea m) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, das propostas apresentadas ao consumidor em resultado da pesquisa e a importância relativa desses parâmetros em comparação com outros;

b) Informação inequívoca de que as propostas apresentadas, nomeadamente a disponibilidade e características do bem ou serviço, se referem exclusivamente às do prestador do mercado em linha;

c) Quando aplicável, a informação de que a comparação de propostas se baseia em diferentes circunstâncias, não apresentando essa comparação como um desconto;

d) Informação sobre se o terceiro que oferece os bens, serviços ou conteúdos digitais é ou não um profissional, com base nas declarações prestadas por aquele ao prestador do mercado em linha;

e) No caso de o terceiro que oferece os bens, serviços ou conteúdos digitais não ser um profissional, a informação de que os direitos do consumidor decorrentes do direito da União em matéria de defesa dos consumidores não se aplicam ao contrato celebrado;

f) O modo como as obrigações contratuais são partilhadas entre o terceiro que oferece os bens, serviços ou conteúdos digitais e o prestador do mercado em linha, sem prejuízo da responsabilidade do prestador do mercado em linha ou do terceiro profissional em relação ao contrato ao abrigo de outro direito da União ou nacional, se for o caso, nomeadamente nos termos do disposto do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro;

g) Nos casos em que o prestador de mercado em linha aplique reduções de preços nas propostas, a informação detalhada sobre a respectiva percentagem de redução e o preço mais baixo anteriormente praticado.

 

SISTEMAS DE AVALIAÇÃO

E no que tange à disciplina sob epígrafe, a norma – o artigo 4.º - B - ter-se-á configurado nestes termos

“1 - Nos casos em que o prestador do mercado em linha disponibilize o acesso a avaliações efectuadas por consumidores, deve aquele adoptar as medidas de diligência adequadas, designadamente:

a) Assegurar a verificação de existência prévia de transacção comercial efectuada por aquele consumidor, sempre que a avaliação esteja anunciada como tendo por base a aquisição prévia do produto ou serviço oferecido;

b) Identificar de forma clara e inequívoca a avaliação cujos autores tenham recebido algum benefício em troca da sua avaliação, quando disso tenha, ou deva ter, conhecimento;

c) Garantir que as avaliações são publicadas sem demora e que o seu autor pode, a qualquer momento, editar o seu conteúdo;

d) Assegurar que todas as avaliações, positivas ou negativas, permanecem disponíveis por idêntico período, não inferior a seis meses.

2 - As avaliações devem ser disponibilizadas aos consumidores preferencialmente por ordem cronológica, constituindo dever do prestador a indicação do critério utilizado.

3 - Os prestadores de mercado em linha disponibilizam mecanismos de reporte de avaliações falsas ou abusivas e permitem ao permitem ao fornecedor de bens ou prestador de serviços apresentar resposta à avaliação apresentada.»

 

REQUISITOS DE FORMA NOS CONTRATOS CELEBRADOS À DISTÂNCIA

Ao artigo 5.º do diploma legal sob referência se acrescenta ex novo

5 - Sem prejuízo do dever de comunicação das restantes informações constantes do n.º 1 do artigo 4.º de acordo com o meio de comunicação à distância utilizado, quando o contrato for celebrado através de um meio de comunicação à distância com espaço ou tempo limitados para divulgar a informação, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve facultar, nesse ou através desse meio específico, antes da celebração do referido contrato, pelo menos, as informações pré-contratuais relativas às características principais dos bens ou serviços, à identidade do profissional, ao preço total, ao direito de retractação, ao período de vigência do contrato e, se este for de duração indeterminada, às condições para a sua [denúncia], referidas nas alíneas a), d), e), f), g), h), i), m) e r) do n.º 1 do artigo anterior, com excepção do modelo de formulário de retractação previsto no anexo I, parte B, referido na alínea n) do mesmo preceito.

6 - Para além das informações mencionadas no número anterior, as restantes informações previstas no n.º 1 do artigo 4.º, incluindo o modelo de formulário de retractação, devem ser fornecidas pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços ao consumidor de forma adequada nos termos do n.º 1 do presente artigo.

 

DIREITO DE RETRACTAÇÃO NOS CONTRATOS CELEBRADOS À DISTÂNCIA

OU FORA DO ESTABELECIMENTO

Já o artigo 10.º, no que ao direito de retractação atine, redefiniu a disciplina dele constante como segue:

[…]

1 - O consumidor tem o direito de [se retractar d]o contrato sem incorrer em quaisquer custos, para além dos estabelecidos no n.º 3 do artigo 12.º e no artigo 13.º, quando for caso disso, e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias ou, nos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial a que se referem as subalíneas ii) [ao domicílio] e v) [no decurso de uma excursão organizada pelo fornecedor] da alínea i) do artigo 3.º, no prazo de 30 dias, a contar:

a) [Do dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços;

b) Do dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física dos bens, no caso dos contratos de compra e venda, ou:

i) Do dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física do último bem, no caso de vários bens encomendados pelo consumidor numa única encomenda e entregues separadamente,

ii) Do dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física do último lote ou elemento, no caso da entrega de um bem que consista em diversos lotes ou elementos,

iii) Do dia em que o consumidor ou um terceiro por ele indicado, que não seja o transportador, adquira a posse física do primeiro bem, no caso dos contratos de entrega periódica de bens durante um determinado período;

c) Do dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de fornecimento de água, gás ou electricidade, que não estejam à venda em volume ou quantidade limitados, de aquecimento urbano ou de conteúdos digitais que não sejam fornecidos num suporte material].

3 - Se, no decurso do prazo previsto no número anterior, o fornecedor de bens ou prestador de serviços cumprir o dever de informação pré-contratual a que se refere a alínea n) do n.º 1 do artigo 4.º, o consumidor dispõe de 14 dias ou, nos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial a que se referem as subalíneas ii) [no domicílio do consumidor] e v) [em excursões organizadas pelo fornecedor, seu representante ou mandatário] da alínea i) do artigo 3.º, de 30 dias para[se retractar d]o contrato a partir da data de recepção dessa informação.

 

OBRIGAÇÕES DO CONSUMIDOR

DECORRENTES DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RETRACTAÇÃO

O artigo 13, no que tange ao ponto em realce,  passa a incorporar um n.º 5, tendo em vista a realidade inultrapassável dos conteúdos e serviços digitais como objecto de comércio, como segue:

5 - Em caso de [retractação] do contrato, o consumidor deve abster-se de utilizar os conteúdos ou serviços digitais e de os colocar à disposição de terceiros.

 

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DURANTE O PERÍODO

PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE RETRACTAÇÃO

A formulação do n.º 1 do artigo 15

Artigo 15.º […]

1 - Sempre que o consumidor pretenda que a prestação do serviço se inicie durante o prazo previsto no artigo 10.º e o contrato imponha uma obrigação de pagamento, o prestador do serviço deve exigir que o consumidor apresente um pedido expresso através de suporte duradouro e solicitar-lhe o reconhecimento de que, se o contrato for plenamente executado, o consumidor perde o direito de[ se retractar].

i) O consumidor não tiver dado o seu consentimento prévio para que a execução tenha início antes do fim do prazo de 14 dias ou de 30 dias referido no artigo 10.º;

…”.

EXCEPÇÕES AO DIREITO DE RETRACTAÇÃO

Artigo 17.º

[…]

1 - [Salvo acordo das partes em contrário, o consumidor não pode [retractar-se] nos contratos de]:

l) Fornecimento de conteúdos digitais não fornecidos em suporte material com uma obrigação de pagamento quando:

i) O consumidor consentir prévia e expressamente que a execução tenha início durante o prazo de retractação e reconhecer que o seu consentimento implica a perda do direito do direito de [retractação]; e

ii) O fornecedor de conteúdos digitais tenha fornecido a confirmação, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º ou do artigo 6.º.

 

SANÇÕES CONTRA-ORDENACIONAIS

[art.º 31]

2 - Constitui contra-ordenação económica grave, punível nos termos do RJCE, a violação ao disposto no artigo 4.º, nos n.ºs 1 a 7 do artigo 5.º, nos artigos 6.º, 9.º e 10.º, no n.º 4 do artigo 11.º, nos n.ºs 1, 4, 5 e 6 do artigo 12.º e nos artigos 21 e 26.

CONTRA-ORDENAÇÕES

(traduzindo por ‘miúdos’…)

No contexto do exercício e efeitos do direito de retractação, é contra-ordenação económica grave cometida pelo fornecedor a sua falta de resposta ao consumidor em 24 horas que utilize a via electrónica do site, não permitindo ao consumidor a recepção da declaração de retractação em suporte duradouro.

Constitui também contra-ordenação económica grave, punível nos termos novo Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE), o incumprimento das regras relativas a:

§  informação pré-contratual nos contratos celebrados à distância ou celebrados fora do estabelecimento;

§  requisitos de forma nos contratos celebrados à distância;

§  confirmação da celebração do contrato celebrado à distância;

§  requisitos de forma nos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial;

§  direito de retractação nos contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento;

§  obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços decorrentes da retractação;

§  conteúdo dos catálogos e outros suportes;

§  comunicação prévia no âmbito das vendas especiais esporádicas.

 

SIMPLES ESCLARECIMENTOS EM DECORRÊNCIA DO QUE PRECEDE

EM SEDE DE CONTRATOS FORA DE ESTABELECIMENTO

O prazo corrente do direito de retractação ou de desistência, de 14 dias, passa para 30 dias sempre que se trate de contratos fora do estabelecimento “sensu proprio” [no domicílio do consumidor] ou no âmbito de excursões organizadas.

Sempre que o preço seja baseado em perfis de comportamento - ou seja, personalizado com base em decisão automatizada -, os fornecedores online terão de informar o consumidor.

Os conteúdos digitais passam a ser incluídos nas regras de contratação online e os mercados em linha terão requisitos adicionais específicos de informação nos contratos.

 

DIREITO DE RETRACTAÇÃO

(O DIREITO DE DAR O DITO POR NÃO DITO)

O consumidor tem o direito de se retractar, de desistir do contrato sem incorrer em quaisquer encargos suplementares  e sem necessidade de indicar o motivo:

Em regra, no prazo de 14 dias nos contratos à distância e fora de estabelecimento, com as excepções consignadas no DL 24/2014: art.º 12 ou

No prazo de 30 dias, nos contratos celebrados no domicílio do consumidor ou durante uma deslocação organizada pelo fornecedor ou por seu representante ou mandatário.

Se, no decurso do prazo, o fornecedor cumprir o dever de informação contratual, o consumidor dispõe de 14 dias ou 30 dias consoante o lugar em que se celebrou o contrato, para dele se retractar a partir da data de recepção de tal informação.

Em caso de exercício do direito de retractação, o consumidor deve abster-se de utilizar os conteúdos ou serviços digitais e de os colocar à disposição de terceiros.

Se, porém, o dever de informação permanecer incumprido, o consumidor disporá não de 14 ou 30 dias para se retractar, mas de 12 meses que acrescerão aos lapsos inicialmente conferidos para o efeito.

 

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DURANTE O PERÍODO DE PONDERAÇÃO OU REFLEXÃO EM VISTA DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RETRACTAÇÃO

Sempre que o consumidor pretenda que a prestação do serviço se inicie durante o prazo de retractação e o contrato imponha uma obrigação de pagamento:

         o prestador do serviço deve exigir que o consumidor apresente um pedido expresso através de suporte duradouro, e

         sujeitar o consumidor a reconhecer de que perde o direito de retractação se o contrato for plenamente executado.

No caso de conteúdos digitais, o consumidor não suporta eventuais custos relativos ao fornecimento, na totalidade ou em parte, de conteúdos que não sejam fornecidos em suporte material, se não tiver dado o seu consentimento prévio para que a execução tenha início antes do fim do prazo de 14 dias ou de 30 dias.

 

EXCEPÇÕES AO DIREITO DE RETRACTAÇÃO (OU DE DESISTÊNCIA)

O consumidor não poderá desistir dos contratos de fornecimento de conteúdos digitais não dispensados em suporte material com uma obrigação de pagamento quando:

         consentir prévia e expressamente em que a execução tenha início durante o prazo para o exercício do direito de retractação e reconhecer que o seu consentimento implica a perda de um tal direito; e

         o fornecedor de conteúdos digitais tenha transmitido a confirmação prevista para contratos celebrados fora do estabelecimento (contrato em papel ou noutro suporte duradouro, e confirmação do consentimento prévio e expresso do consumidor e o seu reconhecimento) ou à distância (confirmar a celebração em suporte duradouro no prazo de cinco dias e o mais tardar no momento da entrega do bem ou antes do início da prestação do serviço).

 

ANEXO

(republicado no diploma fonte das modificações ora insertas)

«ANEXO

[a que se refere alínea m) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 4.º]

A. Formulário de informação sobre o direito de [retractação]

Direito de [retractação]

O consumidor tem o direito de [retractação] do presente contrato no prazo de 14 dias de calendário, ou no caso dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial mencionados nas subalíneas ii) [Celebrados no domicílio do consumidor];e v) [Celebrados durante uma deslocação organizada pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços ou por seu representante ou mandatário, fora do respectivo estabelecimento comercial];da alínea i) do artigo 3.º, no prazo de 30 dias de calendário, sem necessidade de indicar qualquer motivo.

O prazo para exercício do direito de [retractação] expira 14 dias, ou 30 dias, a contar do dia seguinte ao dia (1)

A fim de exercer o seu direito de [retractação], tem de nos comunicar (2) a sua decisão de [retractação]do presente contrato por meio de uma declaração inequívoca (por exemplo, carta enviada pelo correio ou correio electrónico).

Pode utilizar o modelo de formulário de retractação, mas tal não é obrigatório. (3)

Para que o prazo de retractação seja respeitado, basta que a sua comunicação referente ao exercício do direito seja enviada antes do termo do prazo de [retractação].

Efeitos da [retractação]

Em caso de retractação do presente contrato, ser-lhe-ão reembolsados todos os pagamentos efectuados, incluindo os custos de entrega (com excepção de custos suplementares resultantes da sua escolha de uma modalidade de envio diferente da modalidade menos onerosa de envio normal por nós oferecida), sem demora injustificada e, em qualquer caso, o mais tardar 14 dias a contar da data em que formos informados da sua decisão de retractação do presente

contrato. Efectuamos esses reembolsos usando o mesmo meio de pagamento que usou na transacção inicial, salvo acordo expresso em contrário da sua parte; em qualquer caso, não incorre em quaisquer custos como consequência de tal reembolso

(4)

(5)

(6)

Instruções de preenchimento:

(1) Inserir um dos seguintes textos entre aspas:

a) No caso de um contrato de prestação de serviços ou de um contrato de fornecimento de água, de gás ou de electricidade, caso não sejam postos à venda em volume ou quantidade limitados, de aquecimento urbano ou de conteúdos digitais que não sejam fornecidos num suporte material: «da celebração do contrato.»;

b) No caso de um contrato de compra e venda: «em que adquire ou um terceiro por si indicado, que não seja o transportador, adquire a posse física dos bens.»;

c) No caso de um contrato em que o consumidor encomendou vários bens numa única encomenda e os bens são entregues separadamente: «em que adquire ou um terceiro por si indicado, que não seja o transportador, adquire a posse física do último bem.»;

d) No caso de um contrato relativo à entrega de um bem constituído por vários lotes ou partes: «em que adquire ou um terceiro por si indicado, que não seja o transportador, adquire a posse física do último lote ou da última parte.»;

e) No caso de um contrato de entrega periódica de bens durante um determinado período:

«em que adquire ou um terceiro por si indicado, que não seja o transportador, adquire a posse física do primeiro bem.».

 (2) Inserir aqui o seu nome, endereço geográfico e, eventualmente, número de telefone, e endereço de correio electrónico.

(3) Se der ao consumidor a possibilidade de preencher e apresentar por via electrónica informação sobre a retractação do contrato através do seu sítio Internet, inserir o seguinte:

«Dispõe também da possibilidade de preencher e apresentar por via electrónica o modelo de formulário de [retractação] ou qualquer outra declaração inequívoca de retractação através

do nosso sítio Internet [inserir endereço Internet]. Se fizer uso dessa possibilidade, enviar-lhe-emos sem demora, num suporte duradouro (por exemplo, por correio electrónico), um aviso de recepção do pedido de retractação.».

(4) No caso de um contrato de compra e venda em que não se tenha oferecido para recolher os bens em caso de retractação, inserir o seguinte: «Podemos reter o reembolso até termos recebido os bens devolvidos, ou até que apresente prova do envio dos bens, consoante o que ocorrer primeiro.».

(5) No caso de o consumidor ter recebido bens no âmbito do contrato, inserir o seguinte:

a) Inserir:

- «Recolhemos os bens.», ou

- «Deve devolver os bens ou entregar-no-los ou a ... [insira o nome da pessoa e o endereço geográfico, se for caso disso, da pessoa que autoriza a receber os bens], sem demora injustificada e o mais tardar 14 dias a contar do dia em que nos informar da retractação do contrato. Considera-se que o prazo é respeitado se devolver os bens antes do termo do prazo de 14 dias.»;

b) Inserir:

- «Suportaremos os custos da devolução dos bens.»,

- «Tem de suportar os custos directos da devolução dos bens.»,

- Se, num contrato à distância, não se oferecer para suportar os custos da devolução dos bens e se estes, pela sua natureza, não puderem ser devolvidos normalmente pelo correio: «Tem de suportar os custos directos da devolução dos bens, ... EUR [inserir o montante].»; ou se o custo da devolução dos bens não puder ser razoavelmente calculado antecipadamente: «Tem de suportar os custos directos da devolução dos bens. Estes custos são estimados em aproximadamente ... € [inserir o montante] no máximo.», ou

- Se, num contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, os bens, pela sua natureza, não puderem ser devolvidos normalmente pelo correio e tiverem sido entregues no domicílio do consumidor no momento da celebração do contrato: «Recolheremos os bens a expensas nossas.»;

c) «Só é responsável pela depreciação dos bens que decorra de uma manipulação que exceda o necessário para verificar a natureza, as características e o funcionamento dos bens.».

(6) No caso de um contrato de prestação de serviços ou de um contrato de fornecimento de água, gás ou electricidade, caso não sejam postos à venda em volume ou quantidade limitados, ou de aquecimento urbano, inserir o seguinte: «Se tiver solicitado que a prestação de serviços ou o fornecimento de água/gás/electricidade/aquecimento urbano [riscar o que não interessa] comece durante o prazo de livre resolução, pagar-nos-á um montante razoável proporcional ao que lhe foi fornecido até ao momento em que nos comunicou a sua retractação do presente contrato, em relação ao conjunto das prestações previstas no contrato.».

B. Modelo de formulário de retractação

(só deve preencher e devolver o presente formulário se quiser resolver o contrato)

- Para [inserir aqui o nome, o endereço geográfico e, eventualmente, e o endereço de correio electrónico do profissional]:

- Pela presente comunico/comunicamos (*) que me/nos retracto/amos (*) do meu/nosso (*) contrato de compra e venda relativo ao seguinte bem/para a prestação do seguinte serviço

(*)

- Solicitado em (*)/recebido em (*)

- Nome do(s) consumidor(es)

- Endereço do(s) consumidor(es)

- Assinatura do(s) consumidor(es) (só no caso de o presente formulário ser notificado em papel)

(*) Riscar o que não interessa

 

 

VI

LEI DAS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS

(impropriamente denominada das Cláusulas Contratuais Gerais)

[DL 446/85: versão actual]

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro: artigos 34-A, 34-B e 34-C, em vista do sancionamento das cláusulas abusivas apostas nos contratos de adesão e sua reformulação.

Alterações sistemáticas introduzidas:

§  É alterada a epígrafe do capítulo VII, que passa a designar-se «Fiscalização e regime sancionatório» que integra os artigo 34-A a 34-C;

 

§   É aditado o capítulo VIII, com a epígrafe «Disposições finais e transitórias», que passa a integrar os artigos 35 a 37.

 

CAP. VIII

“FISCALIZAÇÃO E REGIME SANCIONATÓRIO”

«Artigo 34-A

Contra-ordenações

1 - Constitui contra-ordenação muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de Janeiro, a utilização de cláusulas absolutamente proibidas nos contratos, incluindo as previstas nos artigos 18.º e 21.º.

2 - A negligência é punível nos termos do RJCE.

3 - Salvo disposição em contrário, o montante das coimas aplicadas é distribuído nos termos previstos no RJCE.

4 - O disposto no presente artigo não prejudica a aplicação do regime substantivo e processual específico do sector em causa, caso este exista.”

 

 

Artigo 34-B

Determinação da medida da coima

Na determinação da coima a que se refere o artigo anterior, o decisor deve ter em conta:

a) A natureza, gravidade, dimensão e duração da infracção cometida;

b) As medidas eventualmente adoptadas pelo infractor para atenuar ou reparar os danos causados aos consumidores;

c) As eventuais infracções cometidas anteriormente pelo infractor em causa;

d) Os benefícios financeiros obtidos ou os prejuízos evitados pelo infractor em virtude da infracção cometida, se os dados em causa estiverem disponíveis;

e) Outros factores agravantes ou atenuantes aplicáveis às circunstâncias do caso concreto que devam ser considerados, de acordo com RJCE.

Artigo 34-C

Fiscalização, instrução e aplicação de coimas

1 - A fiscalização do cumprimento do disposto no presente decreto-lei, assim como a instrução dos respectivos processos de contra-ordenação e a aplicação das coimas competem à entidade reguladora ou de controlo de mercado competente nos termos da legislação sectorialmente aplicável.

2 - Na ausência de entidade reguladora ou de controlo de mercado competente em razão da matéria, compete à Direcção-Geral do Consumidor (DGC) fiscalizar o cumprimento do disposto no presente decreto-lei, instruir os processos de contra-ordenação e aplicar coimas.»

 

VII

MODIFICAÇÕES DOS PODERES-DEVERES

DA DIRECÇÃO-GERAL DO CONSUMIDOR

O diploma legal que comete à Direcção-Geral do Consumidor atribuições e competências – o Decreto Regulamentar n.º 38/2012, de 10 de Abril, na alínea k) do seu artigo 2.º , prevê – no que tange ao quadro sancionatório da Lei das Condições Gerais dos Contratos – o que se traduz em

“Fiscalizar o cumprimento do disposto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, na sua redacção actual, procedendo à instrução e decisão dos correspondentes processos de contra-ordenação e aplicando as respectivas coimas”

E, na alínea e) do n.º 1 do seu artigo 4.º,

“Ordenar a realização de inquéritos e a abertura de processos por infracção aos regimes jurídicos da publicidade e das cláusulas contratuais gerais e decidir os processos, aplicando as sanções previstas na lei e adoptando as medidas cautelares necessárias ou, se for caso disso, a sua remessa às entidades competentes.”

Uma nova janela se abre à Direcção-Geral do Consumidor, para além da outorga, em 1996, pela vez primeira, da” legitimatio ad causam” para as acções inibitórias contempladas no artigo 10.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) e, por extensão, ao artigo 26 da Lei das Condições Gerais dos Contratos, faculdade que jamais usou mais de um quarto de século após a promulgação da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor que remonta a 31 de Julho de 1996.

Ponto é que a Comissão das Cláusulas Abusivas, criada exactamente há um ano (Lei 32/2021, de 27 de Maio) e que deveria estar constituída a 26 de Julho de 2021 e pronta a funcionar a 25 de Agosto do ano transacto, data em que a lei deveria entrar em vigor, seja, enfim, alvo de cuidados para que se lhe confira forma, uma vez que o Governo, pelo Secretário da tutela, ao tempo, o Eng.º João Torres, de todo negligenciou os seus poderes-deveres e não a deu à estampa.

Porque a Comissão das Cláusulas Abusivas (chame-se lá o que se lhe chamar…) é que municiará, prima facie, a Direcção-Geral do Consumidor de casos para o exercício das suas competências em matéria de instrução dos autos de contra-ordenação face a predisponentes relapsos.

Urge, urge, que a displicência dos poderes só afecta a comunidade de consumidores à mercê de atropelos de toda a ordem, tantos deles perpetrados pelo próprio Estado e pela Administração Pública!

 

CONCLUSÕES

O Decreto-Lei 109-G/2021, de 10 de Dezembro, procede à transposição parcial para  ordenamento pátrio da Directiva Omnibus [2019/2161, de 27 de Novembro], emanada do Parlamento Europeu e do Conselho da União.

Nele se compendiam alterações de um ror de instrumentos normativos europeus, a saber:

1.        Directiva com incidência na disciplina estatuída em:

 

1.1.               Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 05 de Abril de 1993

1.2.              Directiva 98/6/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998

1.3.              Directiva 2005/29/CE, do Parlamento e do Conselho, de 11 de Maio de 2005

1.4.             Directiva 2011/83/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011

 

2.      O diploma emanado da Presidência do Conselho de Ministros português procedeu

           

2.1.              À oitava alteração à Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, por seu turno objecto de alteração pela Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, pelas Leis n.º 10/2013, de 28 de Janeiro, 47/2014, de 28 de Julho, e 63/2019, de 16 de Agosto, e pelos Decretos-Leis n.ºs 59/2021, de 14 de Julho, e 84/2021, de 18 de Outubro: regime legal aplicável à defesa dos consumidores;

 

2.2.            À [sexta] alteração ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, objecto de alteração pelos Decretos-Leis n.ºs 220/95, de 31 de agosto, 249/99, de 7 de Julho, e 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei n.º 32/2021, de 27 de Maio, que institui o regime jurídico das condições gerais dos contratos [são tantas as alterações introduzidas que o próprio legislador já nem sabe a quantas anda: esqueceu-se do DL 108/2021, de 07 de Dezembro, que três dias antes alterara o regime em causa, e a alteração de que ora se cura é a sexta e não a quinta, como no diploma visado se refere];

 

2.3.            À terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, por seu turno alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 162/99, de 13 de Maio, e 9/2021, de 29 de Janeiro: regula a indicação de preços dos bens destinados à venda a retalho [no varejo];

 

2.4.            À quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de Março, alvo de modificações pelos Decretos-Leis n.ºs 10/2015, de 16 de Janeiro, 109/2019, de 14 de Agosto, e 9/2021, de 29 de Janeiro: práticas comerciais com redução de preço nas vendas a retalho em estabelecimentos comerciais, com vista ao escoamento das existências, ao aumento do volume de vendas ou à promoção de um produto não comercializado anteriormente pelo agente económico;

 

2.5.            À terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, já retocado pelos Decretos-Leis n.ºs 205/2015, de 23 de Setembro, e 9/2021, de 29 de Janeiro: regime jurídico das práticas comerciais desleais nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transacção de um bem ou serviço;

 

2.6.            À quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, objecto de modificação pela Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho, e pelos Decretos-Leis n.ºs 78/2018, de 15 de Outubro, e 9/2021, de 29 de Janeiro: regime jurídico dos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial.

 

2.7.            À primeira alteração ao Decreto Regulamentar n.º 38/2012, de 10 de Abril: orgânica da Direcção-Geral do Consumidor.

*

                                                           *                      *

COMENTÁRIO FINAL

Depois de tão exaustivas quão perturbantes alterações, uma pergunta dirigida aos que relutam em admitir a codificação do Direito do Consumo: não seria preferível dispor de um Código, mesmo que “à droit constant”, susceptível de ser pontualmente modificado, como ocorre em França com o seu código-compilação, a este emaranhado de leis, de que, aliás, se consigna uma breve amostra, de difícil alcance e de tergiversante localização?

Compulsa-se os portais das distintas entidades com competências nos domínios precedentemente versados e as actualizações falecem, inexistem.

Vamos à Lei dos Preços de 26 de Março de 1990 e nem nos sítios web mais fiáveis se acham as alterações, talvez porque a lei houvesse sido republicada a 13 de Maio de 1999 [DL 162/99] e a versão original só nos mais “conservadores “ dos “sites” ainda se detecte…

Para quando - em autêntico serviço à comunidade a dispensar por quantos se acham aparentemente votados à res publica, ao serviço dos cidadãos-consumidores – um gesto, uma atitude, uma iniciativa para que toda esta filosofia se altere, de molde a tornar acessível o Direito do Consumo e os direitos que nele se compendiam?

Cada vez mais se justifica, se não um Código de Direito do Consumo, ao menos, um Código de Contratos de Consumo devidamente sistematizado e convenientemente simplificado.

Quem ousará dar-nos ouvidos?

Da vez anterior, quiseram presentear-nos com um código, tamanha a nossa insistência, passe a veleidade, mas o que nos ofereceram foi algo de informe, um autêntico “aborto jurídico”…

Urge, pois, mas algo que se afaste do deplorável texto que durante mais de 10 anos (10 iniciais + 4 anos: do anteprojecto ao projecto) marinou nos braços da Comissão Pinto Monteiro e que foi a forma mais eficaz de “boicote” a um autêntico e genuíno Código de Defesa do Consumidor, como, ao tempo, se pretendia…

Pobres consumidores, tão mal servidos pelas elites que os menosprezam até “à quinta casa”!

Pobres de nós, que as suportamos!