“DAR MAIS VIDA ÀS COISAS…PARA DAR MAIS VIDA À VIDA!”

 

VL

Há novidades no que toca ao Direito à Reparação que de há muito se reivindica.

Que comentário se lhe oferece a tal respeito?

 MF

 “Desde Abril de [2022] que  os fabricantes de electrodomésticos se obrigam a tornar “determinados”  bens mais duradouros, facilitar a reparação e facultar peças de reposição, em regra, ao longo de 10 anos. Compatibilidade de tais peças com ferramentas comuns, sem que danifiquem o bem, entregues em período breve: as empresas assegurarão de análogo modo que os bens sejam susceptíveis de reparação por profissionais independentes, facultando-lhes para o efeito e aos consumidores manuais de reparação.”

As medidas que visam prolongar a vida útil dos bens enquadram-se em uma iniciativa mais ampla – a do seu design ecológico.

No caso de máquinas de lavar e secar roupa, p. e., o consumo deve aspirar a menos de 711 milhões de m 3 de água / ano até 2030.

Tais medidas somam-se às regras adoptadas para as etiquetas de eficiência energética, que se estima proporcionem, até 2030, uma redução de 150 milhões de toneladas de petróleo, o equivalente ao consumo de energia primário de Itália e de 285 €/ ano aos consumidores.

Os fabricantes de electrodomésticos e equipamentos regulados tornarão a reparação mais fácil, com informações sobre a manutenção e reparação por outros profissionais, devendo ainda garantir a disponibilidade de peças de reposição durante mais anos pós-venda.

Breves exemplos, ainda que aqui e além de difícil compreensão:

          Os aparelhos de refrigeração devem ter no mínimo as peças disponíveis durante 7 anos. Já as juntas das portas alcançarão 10 anos.

          Nas máquinas de lavar e secar roupa (domésticas) disponibilidade de peças no mínimo durante 10 anos.

          Nas máquinas de lavar louça, período idêntico, podendo, porém, determinados sobressalentes não superar os 7 anos.

Aos fabricantes incumbe assegurar o suprimento das peças de reposição em 15 dias úteis pós-encomenda.

 VL

E a que visam tais medidas?

 MF

Tais medidas visam evitar o recurso a novos equipamentos em razão de os fabricantes não garantirem peças de reposição finda a garantia legal, que é, em rigor, de 2 anos, a despeito da sua consagração, entre nós, por 3 anos….

Estudos do Gabinete Europeu do Ambiente apontam para que o tempo de vida útil de um smartphone, em relativo equilíbrio com os ciclos naturais e humanos de reposição de recursos, se situe entre os 25 e os 232 anos.

 A “sua” “vida útil” é, porém, de 3 anos…

A aprovação de regras que estendam a longevidade de alguns dos bens, em 5 anos, representaria, no Espaço Económico Europeu, como se estima,

§  a diminuição de 12 milhões de toneladas anuais de equivalente-CO2, o que

§  significaria retirar de circulação 15 M de veículos movidos a combustíveis fósseis… num universo de 250 M…

Um novo “direito à reparação” se instituiu, no ordenamento europeu, de molde a dar, com efeito,  mais vida às coisas pela Directiva 2024/1799. Após ‘reivindicações’ sucessivas do Parlamento Europeu por Resoluções de 2015, 2017, 2022…

Tratar-se-á de um direito transversal susceptível de recair sobre todos e cada um dos bens duradouros de consumo?  Ou o seu sentido e alcance é bem menos extenso do que se projectara?

 VL

A Directiva “Direito à Reparação” abrange todos os bens móveis duradouros?

A Directiva ‘Direito à Reparação’, publicada no Jornal Oficial da União Europeia a 10 de Julho p.º p.º e que obrigará à adaptação das legislações nacionais até 31 de Julho de 2026, só contempla 10 dos bens de consumo, a saber:

1.    Máquinas de lavar roupa para uso doméstico e máquinas combinadas de lavar e secar roupa para uso doméstico

2.    Máquinas de lavar louça para uso doméstico

3.    Aparelhos de refrigeração

4.    Ecrãs electrónicos

5.    Equipamento de soldadura

6.    Aspiradores

7.    Servidores e produtos de armazenamento de dados

8.    Telemóveis, telefones sem fios e tábletes

9.    Secadores de roupa para uso doméstico

10.  Bens em que estejam incorporadas baterias de meios de transporte ligeiros.

Ainda que com abertura para inclusão de mais bens, com ajustados “cadernos de encargos”.

A Directiva cria uma Plataforma Europeia em Linha que incluirá ferramentas de fácil utilização para a pesquisa dos reparadores por Estado-membro.

E ainda um Formulário Europeu de Informação sobre Reparações que auxiliará a identificar e escolher serviços de reparação de proximidade adequados e em condições adequadas aos consumidores.

Que ‘da lei nos livros à lei em acção’ não diste um abismo!

 VL

AS FRAUDES NO DIGITAL

Que novidades há a esse respeito, quando se sabe que em Portugal, o ano passado, houve cerca de 600 mil euros em notas falsas detectadas e as fraudes no digital ascenderam a 13 milhões de euros?

MF

SKIMMING

O crescimento das fraudes sem cartões é também impulsionado pela eficácia das medidas contra as fraudes com os cartões mais tradicionais. A fraude com cartão exige que o infractor apresente um cartão físico em um caixa electrónico (ATM), ponto de venda (POS) ou outro terminal.

Esta fraude tem duas fases: a obtenção de um cartão e a sua utilização. Os cartões utilizados são cartões genuínos perdidos ou roubados, ou cartões falsificados. Os cartões contrafeitos são muitas vezes o produto de skimming, que envolve a duplicação da banda magnética de um cartão, através de dispositivos escondidos em caixas automáticos comprometidos e terminais de pontos de venda.

Os dados confidenciais dos titulares dos cartões estão mais seguros num cartão de pagamento com chip do que num cartão com banda magnética.

Assim, a fraude com recurso a cartões falsificados é normalmente cometida fora do Espaço Único de Pagamentos em Euros (SEPA). À medida que algumas partes do mundo demoraram a adoptar a EMV, a fraude de apresentação de cartões migrou, principalmente para as Américas e o Sudeste Asiático, a Indonésia e as Filipinas, em particular, onde os criminosos utilizam cartões clonados na Europa para levantar cartões contrafeitos. A implantação da tecnologia EMV nos Estados Unidos provavelmente aumentará o foco dos criminosos em fraudes sem cartão.

VL

E quais são as tendências?

MF

TENDÊNCIAS

O crescente sector de comércio electrónico resultará em um crescimento paralelo de fraudes não presentes em cartões, especialmente à medida que as medidas do sector para prevenir fraudes presentes em cartões se tornarem mais eficazes. O modus operandi dos criminosos será moldado por medidas do sector para combater a fraude com cartões de pagamento.

As opções de pagamento emergentes e alternativas, como o pagamento sem contacto através da comunicação de campo próximo (NFC), impulsionarão a inovação nos grupos de criminalidade organizada, permitindo-lhes abusar das novas tecnologias. Os novos métodos de pagamento electrónicos/sem cartões podem, no entanto, resultar numa tendência decrescente da fraude com cartões, ao que se presume e se espera.

O ouvinte sabia?

As operações por cartão de pagamento são a forma mais generalizada de pagamento que não em numerário na UE.

Em 2022, o valor total das operações efectuadas por cartões de débito e crédito emitidos no Espaço Único de Pagamentos em Euros (SEPA) ascendeu a 3,5 biliões de EUR.

No mesmo período, os criminosos adquiriram 1,33 mil milhões de EUR [2023: 1,44 mil milhões] através de fraudes com cartões de pagamento.”

 

III

CASOS DA VIDA

VL

De um agastadíssimo cliente do Banco Santander a mensagem que segue por verificar que lhe estão a “ir à bolsa”… com os pretextos “de sempre”:

“Sem qualquer pré-aviso, no decurso da minha relação com o Santander, fui surpreendido com uma mensagem do teor seguinte:

Entre os dias … e …  de … foi cobrada na conta de Depósito à Ordem nº … a comissão de visita ao cofre de aluguer, relativa às visitas dos dias: …

A comissão aplicada por cada visita foi de 5€+IVA, conforme previsto no preçário do banco.

Para consultar mais informações, veja aqui.

Para esclarecimentos adicionais, poderá contactar a SuperLinha (+351 217 807 364 - chamada para a rede fixa nacional), ou dirigir-se a qualquer balcão do  Santander.

NOTA: No caso de ter visitado o cofre mais do que uma vez no mesmo dia, a data desse dia aparecerá repetida o número de vezes correspondente às visitas."

 

MF

ENTRE CLIENTE E SANTANDER

“PODE METER-SE A COLHER”?

 

1.         As relações jurídicas de consumo, em que se subsumem, entre nós, as que se desenvolvem com instituições de crédito e sociedades financeiras, têm forçosamente de decorrer sob a égide da transparência:

            “O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa-fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.” [Lei 24/96: n.º 1 do art.º 9.º]

2.         O facto em si viola quer a obrigação geral de informação constante da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, quer os dispositivos da Lei das Condições Gerais dos Contratos, dado que quaisquer alterações que ocorram na vigência do contrato têm de ser tempestivamente comunicadas, dando-se inclusivamente prazo ao consumidor para fazer cessar o contrato, se o entender [Lei 24/96: n.º 1 do art.º 8.º; DL 446/85: n.º 1 do art.º 5.º, al. a) do n.º 1 do art.º 21, al. c) do n.º 1 e al. a) do n.º 2 do art.º 22 ]

3.         Aliás, a velha e relha prática do “se quiser consultar mais informações, veja aqui …”, de há muito foi condenada à pena capital: veja, por último, o acórdão de 02.02.22, relatado pela Cons.ª Clara Sotto Mayor:

“IV – Não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao predisponente que compete proporcionar-lhe condições para tal.”

4.         E, menos ainda, “informar o consumidor depois de consumados os factos”: “dispara primeiro, pergunta depois - “quem vem lá?”. Óbvio que tal é de proscrever em absoluto.

5.         Na verdade, o Regime Geral das Instituições de Crédito Sociedades Financeiras prescreve imperativamente:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes … sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.” [DL 298/92: n.º 1 do art.º 77].

6.         A violação do preceito a que se alude no passo anterior constitui contra-ordenação grave,  passível de coima de 3 000 a 1 500 000 €, em se tratando de ente colectivo [DL 298/92: al. h) do art.º 210].

7.         A cobrança de valores indevidos, como no caso, configura crime de especulação, cuja moldura penal é de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias (no limite, 500€ /dia) [DL 28/84: art.º 35].

8.         O Banco de Portugal, ante a denúncia que tem de se lhe carrear, obrigar-se a agir para que se amputem as necroses destes contratos que  premeiam os desequilíbrios em proveito próprio e em clamoroso detrimento dos clientes.

 

EM CONCLUSÃO

a.         Na vigência de um qualquer contrato, não se alteram as regras sem prévia comunicação à contraparte, assinando-se-lhe prazo para a manutenção do contrato ou o seu termo [Lei 24/96: n.º 1 do art.º 8.º, n.º 1 do art.º 9.º; DL 446/85: n.º 1 do art.º 5.º, al. a) do n.º 1 do art.º 21, al. c) do n.º 1 e al. a) do n.º 2 do art.º 22; DL 298/92: n.º 1 do art.º 77; DL]

 

b.         A preterição do dever de informar de banda do Santander constitui contra-ordenação grave passível de coima de 3 000 a 1 500 000 € [DL 298/92: al. h) do art.º 210].

c.         A cobrança de valores indevidos configura crime de especulação passível de prisão de 6 meses a 3 anos  e multa não inferior a 100 dias [DL 28/84: art.º 35]

d.         A denúncia deve efectuar-se ao Banco de Portugal para os efeitos devidos [DL 298/92: art.º 213].

  

IV

DEFEITOS ESTÉTICOS
PARA COMPORTAMENTOS NADA ÉTICOS

VL

 

“Comprei uma moto há menos de dois meses. A moto vinha com defeito estético no banco. Estava rasgado. No ‘stand’ disseram que me faziam um desconto de 300 euros, mas nada foi escrito. Quando verifiquei o crédito… o desconto não estava lá e no ‘stand’ disseram, falseando a verdade,  que não se tinham comprometido e que a garantia  não cobria o banco, apenas o motor, porque as questões estéticas não estavam nela abrangidas.

Recorrendo ao seu exemplo do “corta unhas”, a garantia não deveria cobrir tudo?

E eu não assinei nada a prescindir dela…”

 

MF

 

  1. A garantia das coisas móveis duradouras, novas, é de três anos (LCVBC - Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo de 2021: n.º 1 do art.º 12).

 

  1. E a garantia de conformidade cobre “toda a coisa  e a coisa toda” (LCVBC: alínea d) do n.º 1 do art.º 7.º).

 

  1. Independentemente das ofertas incumpridas (a falta de nível no comércio em geral é cada vez mais preocupante, em País em que parece valer tudo…), a coisa tem de ser reposta em conformidade mediante reparação ou substituição (LCVBC: n.ºs 1 e 2 do art.º 15).

 

  1. Ainda que tivesse renunciado aos seus direitos – e não renunciou - , isso de nada valeria:

 

4.1.       Com efeito, o n.º 1 do artigo 51 da Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo, reza o seguinte, sob a epígrafe “carácter imperativo”:

 

“Sem prejuízo do regime das [condições gerais dos contratos], é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente decreto-lei.”

 

4.2.E, para além do mais, a Lei das Condições Gerais dos Contratos de 25 de Outubro de 1985, diz imperativamente (art.º 21) em sede de “cláusulas absolutamente proibidas”:

 

“São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:

 

a)    Limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante;

 

d)    Excluam os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação, ou estabeleçam, nesse âmbito, reparações ou indemnizações pecuniárias predeterminadas;

 

  1. Uma tal cláusula seria nula de pleno direito. O seja, é susceptível de invocação por qualquer interessado e oficiosamente de conhecimento pelo julgador. E não estaria só na dependência do consumidor, em cujo interesse a lei o estabelecera (LCVBC: n.º 2 do art.º 51 por força da LDC – Lei 24/96: n.ºs 2 e 3 do art.º 16)

 

  1. Ao fornecedor só lhe compete, na circunstância,  reparar a coisa. E ao consumidor exigir o cumprimento da garantia, podendo, se as resistências persistirem, requerer as devidas providências no tribunal arbitral de consumo ou no julgado de paz territorialmente competente, com o pedido de indemnização pelos danos morais que a arrastada situação e as resistências infundadas  impuserem.

 

 

EM CONCLUSÃO

 

  1. A garantia legal – que é de 3 anos para as coisas móveis duradouras – não comporta excepções: a garantia é ‘de toda a coisa e da coisa toda’ (LCVBC: alínea d) do n.º 1 do art.º 7.º e n.º 1 do art.º 12).

 

  1. Não é lícito renunciar aos seus direitos no que toca à garantia legal dos bens de consumo (LCVBC: n.º 1 do artigo 51).

 

  1. A eventual renúncia é nula de pleno direito (LCGC als. a) e d)   do art.º 21), podendo ser invocada por qualquer dos interessados e conhecida oficiosamente pelo tribunal (Cód. Civil: art.º 286).

 

  1. Se o fornecedor relapso insistir na recusa, recorra ao tribunal arbitral de consumo competente (o territorial ou, se inexistir, supletivamente, o nacional), a fim de o forçar a cumprir e a indemnizar pelos danos causados, tanto materiais quanto morais (LDC: n.ºs 2 e 3 do art.º 14 e n.º 1 do art.º 12).

 

 

V

E UMA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
NÃO É COBERTA PELAS GARANTIAS?

OU É SÓ ENCHER CHOURICOS

NESTE REPRODUZIR DE AVARIAS?

 

VL

“Uma avaria no fecho das portas de um automóvel, uma deslocação à oficina, a reparação efectuada e a factura apresentada no acto.

Volvidos 7 meses, repete-se a avaria. Exactamente no fecho das portas  reparado. O regresso à oficina. A exigência de reparação. E, na recolha do veículo, nova factura. Ora toma lá: “cento e noventa euros”!

O consumidor pagou. Mas ficou a ruminar na ideia. Então não se tratou da  mesma avaria? E as reparações estão fora das garantias?”

 

MF

 

É que a reparação

Também tem garantia

São 3 anos, sem excepção,

E sem qualquer ‘amnistia’…

 

1.         A Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021, em que de novo se disciplina a garantia de coisas móveis e imóveis, diz de modo expresso na al. b) do n.º 1 do seu art.º 3.º:

“O presente [regime] aplica-se aos bens [reparados] no âmbito de um contrato de prestação de serviços”.

2.         Ora, de harmonia com o n.º 1 do seu art.º 12.º, sob a epígrafe “responsabilidade do profissional em caso de [não] conformidade”, se prescreve que

“o [fornecedor ou prestador de serviços] é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.”

3.         Logo, o consumidor, após a reparação, beneficia de uma garantia de 3 anos sobre os pontos específicos objecto da intervenção do prestador de serviços, no caso da oficina.

4.         Não terá, por conseguinte, de efectuar qualquer pagamento como se fosse uma nova e distinta reparação, quando, afinal, da mesma avaria se tratou.

5.         A cobrança do montante a que se alude – 190 € - é susceptível de configurar um crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do Consumo de 1984, no seu art.º 35.

6.         A moldura penal da especulação comina com prisão e multa: prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias, sendo que cada um dos dias, no limite, pode atingir 500 €.

7.         Até se acredita que seja por ignorância do responsável pela oficina que a factura do serviço prestado haja sido apresentada.

8.         No entanto, a ignorância, neste passo não escusa.

9.         Claro que há para aí umas ‘histórias’ mal contadas quando, em estudo recente, encomendado pela Direcção-Geral do Consumidor, se afirma que cerca de 90% dos agentes económicos conhecem os direitos dos consumidores. O que é redondamente falso porque a informação, nem sequer a mais elementar, como no caso, lhes chega… por incumprimento do Estado da sua missão de informar por mor do art.º 4.º da Lei 34/2004 e do art.º 50 do DL 84/2021!

 

EM CONCLUSÃO

a.         A Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo não se restringe simplesmente, como o nome sugere, à compra e venda, antes se aplica também à empreitada, a outras prestações de serviços e à locação de bens móveis e imóveis (DL 84/2021: art.º 3.º)

b.         Aplica-se, por conseguinte a qualquer reparação de um bem móvel, como no caso (DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do art.º 3.º)

c.         O prestador de serviço é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem, ou seja, uma qualquer reparação tem também uma garantia de três anos (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12)

d.         Pretendendo o prestador cobrar por um serviço coberto pela garantia, comete, ao que parece, um crime de especulação (DL 28/84: art.º 35)

e.         A moldura penal do crime de especulação é de prisão e multa: seis meses a três anos de prisão e multa não inferior a 100 dias (Dl28/84: idem).

 

 

IV

UM CARRO SEM GARANTIA NÃO SELA…

É COMO ARROZ DOCE SEM CANELA!

VL

De um anúncio num Stand de Automóveis em Cantanhede:

·         Com garantia, 7500 €.

·         Sem garantia: 6 750 €

O carro avariou um mês depois. Voltei ao Stand e o dono apontou-me para o letreiro.

Não tenho hipóteses, não é, porque aceitei a exclusão da garantia?

MF

1.         A garantia legal é de 3 anos (mas nunca inferior a dezoito por se tratar de um veículo usado): a declaração de nulidade da renúncia, a usar pelo consumidor ou seu representante, levará necessariamente a garantia para os 3 anos, como se de coisa nova se tratasse e

2.         Por conseguinte, porque só passou ainda ano e meio sobre o momento da entrega do veículo, está em tempo a exigência da garantia e seu exercício.

3.         Para exercer os seus direitos e por se tratar de coisa móvel, ao consumidor cumpre denunciar a desconformidade ao fornecedor no prazo de três anos, dispondo – a partir desse momento - de 2 anos para  instaurar a acção se for o caso (se a invocação do direito não for acatada, sem resistência, pelo fornecedor).

4.         O Tribunal da Relação de Lisboa (relator: desembargador Jorge Leal), julgou, em via de recurso, um caso similar:

“I. É nula a cláusula de renúncia à garantia, subscrita pelo consumidor num contrato de compra e venda de bem de consumo.

II. A invocação da nulidade referida em I depende da manifestação de vontade nesse sentido por parte do consumidor.

III. Entende-se estar preenchido o requisito indicado em II para o conhecimento da aludida nulidade por parte do tribunal se o consumidor, arredando tacitamente os efeitos da aludida declaração de renúncia à garantia, demanda judicialmente o vendedor, reclamando deste a reparação de anomalia do veículo vendido e o pagamento de indemnização pela privação do seu uso.”

5.         Para que o consumidor os possa exercer adequadamente, é indispensável que saiba dos seus direitos. Daí que a necessidade de se lhe levar, com minúcia e rigor, tal informação, como é, aliás, sistematicamente, pretensão da lei, ao estatuir, no caso, no artigo 12.º da própria Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 2003, sob a epígrafe “acções de informação”:

“A Direcção-Geral do Consumidor deve promover acções destinadas a informar e deve incentivar as organizações profissionais a informarem os consumidores dos direitos que para eles resultam do presente decreto-lei.”

Como actualmente sob a epígrafe “Capacitação dos Consumidores” se insere no

Artigo 50.º

“A Direçcão-Geral do Consumidor promove acções destinadas a informar os consumidores sobre os direitos resultantes do presente decreto-lei e os meios adequados ao seu exercício, em articulação com as demais entidades competentes.”

 

O mal é não haver informação nem para o consumidor nem para o vendedor.